‘Como Eu Era Antes de Você’ poetiza o inevitável e mostra que final feliz pode ser contraditório
Para esta resposta, e autora britânica
Jojo Moyes conduziu com sutileza as
palavras escolhidas ao longo das 318 páginas do livro Como Eu Era Antes de Você. Todavia, para chegar-se ao desfecho é
preciso voltar ao ano de 2007. Durante uma noite chuvosa, o bem-sucedido Will
despede-se de sua namorada, Alicia. Ao deixar o apartamento dele, em Londres, a
caminho de uma reunião importante, Traynor é pego pelo destino infindável ao
ser atropelado por uma motocicleta.
O acidente resulta em dois anos
de amarguras e sem melhoras na tetraplegia que lhe é acometido. Se antes o
jovem e vívido filho de Camilla e Steven Traynor dedicava-se a comprar
empresas, a aventurar-se pelo mundo, a namorar mulheres que mais pareciam
modelos e a não ter medo de nada e nem ninguém, agora, aos 35 anos, ele vê-se
obrigado a lidar com angústias que exalam em dor, raiva e a certeza de que
nunca mais saberá o que é viver outra vez.
E os problemas de William não são
poucos. Devido à lesão na coluna, nenhum músculo do tórax para baixo funciona. A
fisioterapia o ajuda a manter as condições físicas, mas sem esperanças de que
os médicos consigam consertar a medula espinhal. Ele também não transpira como
qualquer pessoa. Por causa do acidente, um simples resfriado faz a temperatura
do corpo dele subir. Sem contar as dores de estômago e úlcera pelo excesso de
medicamentos; dores nos ombros; infecção urinária; escaras na pele; dores de
cabeça; queimação nas solas das mãos e dos pés; falta de sensibilidade física;
e a possibilidade de morrer a qualquer instante por causa de uma infecção
aleatória.
Como esperar uma vida plena,
quando tudo passa-se a ser penoso, passivo e enfado sem ternura? Entre tantas
limitações, Traynor ainda convive com a claustrofobia de saber que nunca mais
poderá levantar-se da companheira dele de cada dia: a cadeira de rodas. Em uma
conotação de Fera, personagem do conto de fadas francês escrito por Gabrielle-Suzanne Barbot, Will é o
clássico “monstro que não morde, mas assusta” – até porque ele mesmo se enxerga
em um abismo de assombrações de um passado próximo, de um presente eterno e de
um futuro que não existe.
Entre as reviravoltas de um
labirinto funesto, o príncipe decaído passa aflorar-se ao conhecer a nobre de
coração puro, também conhecida como Louisa
Clark. Aos 26 anos, ela não se cansa de contar diariamente os 158 passos
entre o ponto de ônibus e a casa dela. Trajeto este, no qual inclui-se a
cafeteria The Buttered Bun, local
onde trabalha. No caso, trabalhava. Com a notícia de que deixará de preparar e
servir chás e cafés, Lou depara-se com a realidade a qual evitara desde os 20 anos:
o comodismo.
Com os cabelos inspirados no da
Princesa Leia de Star Wars – divididos em duas partes torcidas e presas
em coques iguais –, Louisa aceita trabalhar para Camilla Traynor, no
castelo de Granta House. O local ficava apenas 30 minutos da casa dela, de Josie
(mãe), Bernard (pai), Treena (irmã), Thomas (sobrinho) e vovô. Fora isso, o
salário era generoso e, a princípio, o ponto de maior importância a Lou,
afinal, a família contava com a ajuda dela para manter os gastos e não se
afundar em dívidas. Todavia, a jovem não contava que a indicação do Centro de
Trabalho local à vaga de cuidadora, fosse transformar o modo de ela enxergar a
si mesma e a vida em tão pouco tempo.
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Com um laço certeiro, as duas
metades passam a ser um inteiro. Entre passeios e cortes de cabelo, Will
liberta a Louisa presa em um labirinto do passado e a ensina a desafiar e
abrir-se para o mundo. Enquanto ela passa ser os olhos e sensações de quem ele
foi um dia, ela mostra que não é necessário dizer: “eu te amo” para amar de
verdade. Tudo bem que Lou namora Patrick, o corredor,
mas a falta de virtudes e conexões deles apenas realça o comodismo dela. E não
é preciso ser um adivinho para saber que os dois estavam datados para acabar.
Patrick via Lou como uma “duende drag-queen”; Will, como o pote de ouro dos
duendes à espera no fim do arco-íris.
Desde o momento cujo Louisa soube
que o contrato de seis meses dela era por ser o tempo de vida decidido por
Traynor, ela vestiu as meias pretas e amarelas preferidas, manteve-se de cabeça
erguida e o fez perceber que a tetraplegia jamais o impediria de viver.
Contudo, médicos, enfermeiros e psicólogos, aguardavam-no na data marcada, em
uma clínica na Suíça, conhecida como Dignitas. Lá, em doses calmas, ele tomaria
100 mililitros de água em um copo misturado com barbitúrico (composto químico).
Em minutos, a bebida amarga o faria pegar em um sono profundo para nunca mais
acordar.
Enquanto Lou quer Will com todas
as vírgulas, ele não esconde que a quer como ponto final. O inevitável é uma escolha pessoal e
inquestionável para aqueles que, quando dormem, surpreendem-se em ainda poder
abrir os olhos no dia seguinte. É doloroso ouvir da boca de quem ama que ele
não mudará a decisão por ela – porque
dentro dele, o William do passado definitivamente não existe mais; e o do
presente, mesmo penoso, é o porto seguro de um homem de sorte. E Louisa
pode não ter conseguido mudá-lo de apreciação quanto ao fim dos seis meses, mas
o mudou de alma e coração. E sem deflagrar crenças, talvez fosse isso que o
faltava para concluir o ciclo da vida, já
decido por ele.
O para sempre é algo subjetivo, porque o para sempre, sempre
acaba. Jojo Moyes não escreveu uma
história triste e muito menos um clichê romântico. Ela usou de uma
personalidade folhetinesca para transformar personagens literários em uma
novela da vida real. Quem leu antes de acompanhar a versão cinematográfica,
pode visualizar com plena clareza os diálogos e ações de cada um em Como Eu Era Antes de Você. E, claro, as
lágrimas finais eram de se esperar por tamanho envolvimento com Will e Lou. Em
pouco tempo, o zangão e a abelhinha conseguiram demudar a solidão camuflada em
felicidade. E isso foi um final feliz. Mesmo que o sol brilhe mais claro quando
alguém está bem, nem ele e nem ninguém pode mudar o quê e quem as pessoas são –
e nem as escolhas delas.
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