segunda-feira, 10 de julho de 2017

Resenha do livro ‘Como Eu Era Antes de Você’, de Jojo Moyes

‘Como Eu Era Antes de Você’ poetiza o inevitável e mostra que final feliz pode ser contraditório

Entre tantas vírgulas que uma pessoa pode ter, Louisa Clark imaginou que poderia ser as reticências da vida de William Traynor. Já ele, decido a por um ponto final na tênue acentuação dos dias que o acomete em cima de uma cadeira de rodas, percebe aos poucos, que a jovem abelhinha o faz gostar da ideia de ter um ponto e vírgula antes do inevitável. Seis meses é o tempo que o separa de uma grande exclamação. Mas será que os doces sorrisos e as tagarelices de Lou bastarão para ele transformar o futuro em uma grande interrogação, ao invés de pontuá-lo de vez?

Para esta resposta, e autora britânica Jojo Moyes conduziu com sutileza as palavras escolhidas ao longo das 318 páginas do livro Como Eu Era Antes de Você. Todavia, para chegar-se ao desfecho é preciso voltar ao ano de 2007. Durante uma noite chuvosa, o bem-sucedido Will despede-se de sua namorada, Alicia. Ao deixar o apartamento dele, em Londres, a caminho de uma reunião importante, Traynor é pego pelo destino infindável ao ser atropelado por uma motocicleta.

O acidente resulta em dois anos de amarguras e sem melhoras na tetraplegia que lhe é acometido. Se antes o jovem e vívido filho de Camilla e Steven Traynor dedicava-se a comprar empresas, a aventurar-se pelo mundo, a namorar mulheres que mais pareciam modelos e a não ter medo de nada e nem ninguém, agora, aos 35 anos, ele vê-se obrigado a lidar com angústias que exalam em dor, raiva e a certeza de que nunca mais saberá o que é viver outra vez.

E os problemas de William não são poucos. Devido à lesão na coluna, nenhum músculo do tórax para baixo funciona. A fisioterapia o ajuda a manter as condições físicas, mas sem esperanças de que os médicos consigam consertar a medula espinhal. Ele também não transpira como qualquer pessoa. Por causa do acidente, um simples resfriado faz a temperatura do corpo dele subir. Sem contar as dores de estômago e úlcera pelo excesso de medicamentos; dores nos ombros; infecção urinária; escaras na pele; dores de cabeça; queimação nas solas das mãos e dos pés; falta de sensibilidade física; e a possibilidade de morrer a qualquer instante por causa de uma infecção aleatória.

Como esperar uma vida plena, quando tudo passa-se a ser penoso, passivo e enfado sem ternura? Entre tantas limitações, Traynor ainda convive com a claustrofobia de saber que nunca mais poderá levantar-se da companheira dele de cada dia: a cadeira de rodas. Em uma conotação de Fera, personagem do conto de fadas francês escrito por Gabrielle-Suzanne Barbot, Will é o clássico “monstro que não morde, mas assusta” – até porque ele mesmo se enxerga em um abismo de assombrações de um passado próximo, de um presente eterno e de um futuro que não existe.

Entre as reviravoltas de um labirinto funesto, o príncipe decaído passa aflorar-se ao conhecer a nobre de coração puro, também conhecida como Louisa Clark. Aos 26 anos, ela não se cansa de contar diariamente os 158 passos entre o ponto de ônibus e a casa dela. Trajeto este, no qual inclui-se a cafeteria The Buttered Bun, local onde trabalha. No caso, trabalhava. Com a notícia de que deixará de preparar e servir chás e cafés, Lou depara-se com a realidade a qual evitara desde os 20 anos: o comodismo.

Com um semblante cujo sorriso enriquece e acalmam as almas enfurecidas, a jovem de personalidade única, vibrante e sempre adepta de cores nas vestimentas, vê-se em um grande marasmo interno. Entretanto, nem toda a alegria das estampas reflete quem ela é de verdade. Na busca por desafiar-se, ela percebe que o amor tanto concreto quanto abstrato pode ser o substantivo que faltava para despertar a sua essência calada.

Com os cabelos inspirados no da Princesa Leia de Star Warsdivididos em duas partes torcidas e presas em coques iguais –, Louisa aceita trabalhar para Camilla Traynor, no castelo de Granta House. O local ficava apenas 30 minutos da casa dela, de Josie (mãe), Bernard (pai), Treena (irmã), Thomas (sobrinho) e vovô. Fora isso, o salário era generoso e, a princípio, o ponto de maior importância a Lou, afinal, a família contava com a ajuda dela para manter os gastos e não se afundar em dívidas. Todavia, a jovem não contava que a indicação do Centro de Trabalho local à vaga de cuidadora, fosse transformar o modo de ela enxergar a si mesma e a vida em tão pouco tempo.

William Traynor era indecifrável – ao menos era isso que Lou pensava no começo. Ele contava com a assistência de Nathan para lidar com as medicações e fisioterapia, mas era com Clark que ele passava a maior parte do dia. Na visão dela, os chás resolviam qualquer problema, mas Will não ligava para eles, muito menos para os pensamentos dela ou para quem estivesse à volta dele. Raramente ele saia do anexo onde vivia. Cortar o cabelo e fazer a barba era como dias ensolarados em Londres: raros e incomuns. Porém, em certo dia, após um surto do aristocrata, ela o enfrenta e deixa bastante claro que está lá apenas pelo dinheiro e não por ele. Acostumado a não ser contrariado, Traynor acata o recado com um olhar de soslaio e, a pedido dela, passa a não ser mais um mero “babaca”.

Com um laço certeiro, as duas metades passam a ser um inteiro. Entre passeios e cortes de cabelo, Will liberta a Louisa presa em um labirinto do passado e a ensina a desafiar e abrir-se para o mundo. Enquanto ela passa ser os olhos e sensações de quem ele foi um dia, ela mostra que não é necessário dizer: “eu te amo” para amar de verdade. Tudo bem que Lou namora Patrick, o corredor, mas a falta de virtudes e conexões deles apenas realça o comodismo dela. E não é preciso ser um adivinho para saber que os dois estavam datados para acabar. Patrick via Lou como uma “duende drag-queen”; Will, como o pote de ouro dos duendes à espera no fim do arco-íris.

Desde o momento cujo Louisa soube que o contrato de seis meses dela era por ser o tempo de vida decidido por Traynor, ela vestiu as meias pretas e amarelas preferidas, manteve-se de cabeça erguida e o fez perceber que a tetraplegia jamais o impediria de viver. Contudo, médicos, enfermeiros e psicólogos, aguardavam-no na data marcada, em uma clínica na Suíça, conhecida como Dignitas. Lá, em doses calmas, ele tomaria 100 mililitros de água em um copo misturado com barbitúrico (composto químico). Em minutos, a bebida amarga o faria pegar em um sono profundo para nunca mais acordar.

Enquanto Lou quer Will com todas as vírgulas, ele não esconde que a quer como ponto final. O inevitável é uma escolha pessoal e inquestionável para aqueles que, quando dormem, surpreendem-se em ainda poder abrir os olhos no dia seguinte. É doloroso ouvir da boca de quem ama que ele não mudará a decisão por ela – porque dentro dele, o William do passado definitivamente não existe mais; e o do presente, mesmo penoso, é o porto seguro de um homem de sorte. E Louisa pode não ter conseguido mudá-lo de apreciação quanto ao fim dos seis meses, mas o mudou de alma e coração. E sem deflagrar crenças, talvez fosse isso que o faltava para concluir o ciclo da vida, já decido por ele.

O para sempre é algo subjetivo, porque o para sempre, sempre acaba. Jojo Moyes não escreveu uma história triste e muito menos um clichê romântico. Ela usou de uma personalidade folhetinesca para transformar personagens literários em uma novela da vida real. Quem leu antes de acompanhar a versão cinematográfica, pode visualizar com plena clareza os diálogos e ações de cada um em Como Eu Era Antes de Você. E, claro, as lágrimas finais eram de se esperar por tamanho envolvimento com Will e Lou. Em pouco tempo, o zangão e a abelhinha conseguiram demudar a solidão camuflada em felicidade. E isso foi um final feliz. Mesmo que o sol brilhe mais claro quando alguém está bem, nem ele e nem ninguém pode mudar o quê e quem as pessoas são – e nem as escolhas delas

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